Lugar de culto que remonta ao início do século XX, o Santuário de Nossa Senhora de Fátima colocou Portugal no mapa não apenas como referência religiosa católica, mas ajudou também a divulgar os costumes e tradições do nosso país além-fronteiras.
A origem
A 13 de maio de 1917, Lúcia dos Santos, Francisco Marto e Jacinta Marto, de dez, nove e sete anos, clamam ter visto sobre uma azinheira de cerca de pouco mais de um metro de altura “uma senhora mais brilhante do que o sol” enquanto cuidavam de um pequeno rebanho. O local era a Cova da Iria, junto de Aljustrel, em Fátima, e, segundo narraram as crianças, Lúcia via, ouvia e conversava com “a senhora”, Jacinta via e ouvia e a Francisco apenas fora dada a graça de observá-la.
A Lúcia, a “senhora” pede que regressem durante seis meses, naquele mesmo dia e à mesma hora, antes de poder revelar-lhes quem é e o que deles pretende, apenas solicitando que rezassem o terço todos os dias para que se alcançasse a paz no mundo e final da guerra (mundial). Segundo alegaram, houve quatro aparições — três sempre no mesmo lugar e a quarta, em Valinhos, Aljustrel. E, em cada uma das aparições, Nossa Senhora terá adiantado mais pormenores.
Terá revelado o sagrado coração de Maria, cravado de espinhos (que correspondiam ao ultraje que lhe era causado pelos pecados da humanidade e dos quais a Virgem pedia reparação), bem como os três supostos milagres de Fátima (a visão do inferno, o imaculado coração de Maria, com o pedido de oração pela paz e a promessa da conversão da Rússia, e ainda o atentado contra o Papa — supõe-se que se tratava de João Paulo II —, que permaneceria secreto por muitos anos). Ao longo destes encontros, a Virgem pede ainda que lhe seja construída uma capelinha em sua honra, Nossa Senhora do Rosário.
A sequência de aparições culmina a 13 de outubro com o Milagre do Sol, ao qual terão assistido 70 mil pessoas e que consistiu numa alteração das condições climatéricas, entre as quais a transformação do sol num “disco opaco que girava no céu” e que este se terá movido em ziguezagues.
Durante este acontecimento, há quem alegue que se teriam verificado curas milagrosas que nalguns casos acabaram por ser comprovadas por médicos. O acontecimento acabou por ser oficialmente aceite como um milagre pela Igreja Católica em 1930 e as aparições reconhecidas como verdadeiras.
Lúcia viveu até aos 97 anos, tornando-se religiosa muito cedo e integrando a ordem das Doroteias, entrando mais tarde em clausura no Carmelo de Santa Teresa, em Coimbra, professando como carmelita descalça.
Os seus primos, os irmãos Francisco e Jacinta, morreram prematuramente, vítimas da chamada pneumónica, tendo sido beatificados pelo Papa João Paulo II e canonizados pelo Papa Francisco, representando assim as primeiras crianças santas não mártires da Igreja Católica.
O Santuário de Nossa Senhora de Fátima
A Igreja Católica deu-lhe o nome de Santuário de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, mas este espaço de culto localizado na Cova da Iria, em Fátima, ficou internacionalmente conhecido como Santuário de Nossa Senhora de Fátima. Trata-se de um Santuário Nacional, por ordem expressa da Santa Sé Apostólica, e representa um dos mais importantes santuários marianos do mundo e de maior destino internacional de turismo religioso.
A sua construção iniciou-se em 1919, com a edificação da Capelinha das Aparições. A narrativa das aparições já tinha para ali levado inúmeros peregrinos e a verdade é que, embora o Patriarcado de Lisboa mantivesse as suas reservas, não autorizando de imediato que se organizasse ali um centro de culto, em junho de 1919, estava construída a capela que Nossa Senhora supostamente havia pedido.
A famosa estátua da Virgem seria concebida no ano seguinte por José Ferreira Thedim e benzida e entronizada ainda no mesmo ano. Uma vez que o afluxo de peregrinos era crescente e de consideráveis dimensões, urgia criar condições que favorecessem o culto planeando-se, com a compra por parte da Igreja das terras circundantes da Cova da Iria, de maneira a que ali se estabelecesse, então, o Santuário de Nossa Senhora de Fátima.
Uma grande curiosidade é que, dois anos mais tarde, a capela veio a ser dinamitada, nunca se tendo descoberto os autores do crime. Uma vez que nem todas as cargas de dinamite explodiram e que a capela, apesar de parcialmente destruída, sobreviveu, fortaleceu-se ainda mais a ideia popular de que aquele lugar se encontrava protegido, o que poderá ter constituído um ponto de viragem para que mais depressa a Igreja determinasse a sua santidade.
Uma vez reconstruída a capelinha, depressa surgiram benfeitorias destinadas albergar aos peregrinos, uma fonte coberta e uma avenida desde a entrada do recinto ladeada por uma via-sacra. Foi então que se iniciaram as organizações de romarias e as procissões das velas e do adeus.
A data de 13 de outubro de 1930 marcaria o final do processo canónico, declarando-se as aparições como dignas de crédito e aprovando-se ainda o culto mariano sob invocação de Nossa Senhora do Rosário de Fátima.
Ao longo do tempo, o Santuário de Nossa Senhora de Fátima foi sendo ampliado e atualmente conta com duas basílicas, garantindo-se deste modo um espaço de receção coberta para peregrinos. Ali podemos encontrar, então, a já referida Capelinha das Aparições, o Recinto de Oração, a Basílica de Nossa Senhora do Rosário e a Colunata, a Basílica da Santíssima Trindade, as casas de retiros de Nossa Senhora do Carmo e de Nossa Senhora das Dores, uma Via Sacra em Valinhos e o Centro Pastoral Paulo VI.
O Santuário de Nossa Senhora de Fátima trata-se por excelência de um local de peregrinação que adquiriu um nível de relevância muitíssimo elevado tanto em Portugal como no estrangeiro.
O impacto do nascimento de uma cidade-santuário
O impacto da criação do Santuário de Nossa Senhora de Fátima, na sequência da aparição que a Igreja viria a reconhecer como credível foi absolutamente avassalador para a região, que não mais parou de crescer.
Fátima passava, assim, do anonimato para a fama internacional. O descampado da Cova da Iria rapidamente se tornava o mais importante centro nacional de convergência de peregrinos e as suas gentes passaram a organizar ali as suas práticas laborais e económicas, que resultavam agora desta nova realidade.
Ao nível da administração civil republicana, foi impossível conter um movimento que era crescente e poderoso. As manifestações públicas de fé afrontavam a lei republicana, mas era evidente que combater este movimento seria uma luta inglória.
O maior impacto do nascimento do Santuário de Nossa Senhora de Fátima ter-se-á, porventura, revelado no seio da Igreja local (e a um nível muito positivo) e em última análise também ao nível da Igreja Católica em geral.
Fátima passaria a constituir um dos mais importantes pontos de turismo religioso do globo, com todas as consequências que daí resultariam. Por exemplo, em 2017, a visita do Papa Francisco a Fátima gerou 4,5 milhões de euros em alojamento, 1,5 milhões de euros em refeições e dez milhões de euros em vendas na região do santuário e em outras duas regiões, como revelado no relatório da Entidade Regional de Turismo do Centro e pela Associação Empresarial Ourém-Fátima.
Ainda de acordo com o mesmo estudo, Portugal surge em nono lugar como país emissor de turistas a Fátima, atrás do Brasil, dos EUA, da Coreia do Sul, de Espanha e da Polónia. Há mesmo indicação da pretensão de adaptar a Base Aérea de Monte Real para voos comerciais, já que Fátima parece ser a única cidade-santuário não servida por um aeroporto.
São indiscutíveis os benefícios sociais, económicos e regionais resultantes daquela manhã de maio de 1917 em que uma menina de dez anos terá perguntado: “O que é que Vossemecê me quer?”