Bairros de Lisboa que vale a pena conhecer

Não têm a identidade nem as fronteiras bem definidas. São uma mistura revolvida durante séculos e um jogo de surpresas. Levamo-lo a passear em cinco bairros de Lisboa, autênticas micro-cidades dentro da capital.

Os bairros de Lisboa contam como a história cruzou diferentes civilizações e devolveu-lhes uma multicultura que se reflete na paisagem, na arquitetura e nas gentes. Conheça cinco dos principais.

 

Alfama

Alfama

O bairro de Alfama é um dos postais da cidade. O seu casario é labiríntico e as ruas íngremes transformam-se em becos, escadinhas e pátios, estendendo-se desde a encosta do Castelo de S. Jorge até ao rio Tejo.

O Miradouro de Santa Luzia é um dos locais com vista privilegiada sobre o bairro. Daqui é possível ver o Panteão Nacional, a Igreja de Santo Estêvão e as torres da Igreja de São Miguel.

Aqui, no largo junto a esta igreja (Largo de São Miguel), forma-se um dos epicentros das Festas Populares de Lisboa, que todos os anos enchem de música, cheiro a sardinha e dança, as ruas da cidade na noite de 12 para 13 de junho, feriado municipal em honra de Santo António.

A par das igrejas católicas, Alfama guarda vestígios islâmicos desde o ano de 711. Um deles é o seu nome — a palavra Alfama provém do árabe “al-hammâ”, que significa “fonte de água morna”, numa alusão às várias nascentes que existiam na zona.

O outro é a forma como o casario se organizou, a fazer lembrar paisagens magrebinas — apesar de o bairro ter sido quase totalmente destruído pelo terramoto de 1755, foi reconstruído segundo o traçado original.

A Cerca Moura de Lisboa (ou Cerca Velha), constituída pelos vestígios da estrutura defensiva lisboeta, ainda testemunha os séculos de permanência árabe na cidade. 

Entre as casas de gente simples, encontram-se também exemplares nobres, como o Palacete Chafariz d’El Rey (Palacete das Ratas), o Palácio Belmonte (hoje hotel) ou a Casa dos Bicos — hoje Fundação José Saramago, dedicada ao Nobel da Literatura português. 

Mas Alfama é também um bairro de fado. Além do Museu do Fado, onde se conta a história deste conhecido género musical português, várias casas e restaurantes recebem atuações regulares de fadistas, como a Parreirinha de Alfama, e a noite prolonga-se pelos bares da Rua dos Remédios.

 

Bairro Alto

Bairro Alto

Foi habitado por gente ligada ao mar, por jesuítas e por burgueses. Conheceu a vida boémia dos anos 80, tornou-se sede de galerias e jornais e mantém-se como um dos bairros incontornáveis — para sair à noite, jantar e passear — de Lisboa.

O Bairro Alto começou a erguer-se no século XV, com um desenho metódico de edifícios compostos por pequenos balcões, os mesmos que hoje marcam a paisagem de varandas de roupa branca estendida em diferentes bairros de Lisboa.

Saído praticamente incólume do terramoto de 1755, o Bairro Alto ganhou uma vida à parte da cidade que era então reconstruída. Foi, assim, ganhando tabernas e bordéis e o estatuto de uma certa vida marginal, protagonizada, já no século passado, por artistas e intelectuais. 

A atividade noturna e cultural mantém-se viva no bairro, com alguns clássicos que perduraram no tempo desde a década de 1980, como o histórico Pap’Açorda ou o bar Frágil, nascido em 1982 numa antiga padaria.

Em 1994, a entrada de Lisboa como Capital Europeia da Cultura trouxe algumas novidades à vida do Bairro Alto, como a Galeria Zé dos Bois, um dos polos mais importantes de produção cultural da cidade. 

É nesta mistura entre mercearias, população local, gente da moda e da noite que reside o grande charme deste bairro de Lisboa. À saída do Bairro Alto, encontram-se, ainda, pontos-chave da cidade, como o Miradouro de São Pedro de Alcântara, o burguês Príncipe Real ou a zona da Bica.

 

Baixa

Baixa

É a downtown lisboeta. Na zona baixa da cidade, este bairro de Lisboa de traçado pombalino é onde fervilha o comércio e onde as ruas se abrem para o rio.

A Baixa de Lisboa é uma marca forte no desenho da cidade. Também conhecida como Baixa Pombalina, pelo facto de ter sido o Marquês de Pombal a configurá-la na sequência da sua destruição durante o terramoto de 1755, é facilmente identificável pelo seu traçado ortogonal. 

Caminhar pela calçada portuguesa deste bairro de Lisboa, ao som da passagem do elétrico, é também passear pelo atual centro administrativo da capital. No bairro ficam estruturas como a Câmara Municipal ou o Ministério das Finanças, edifício contíguo a um dos ex-libris de Lisboa, a Praça do Comércio (Terreiro do Paço).

Na praça estreita-se a relação com o rio, ao fazer a ligação com a Ribeira das Naus e o Cais das Colunas, hoje lugares de contemplação da cidade e das suas duas pontes, mas durante décadas pontos de chegada de centenas de embarcações, ligadas à exploração marítima mas também ao comércio, que povoaram o Tejo de vida.

Aqui chegavam as porcelanas chinesas e as especiarias da Índia. Hoje, saem das suas proximidades os barcos de travessia do Tejo, os tradicionais cacilheiros, ligando a vida das duas margens.

Mas a Praça do Comércio foi também palco de alguns dos episódios mais importantes da história do país, como o regicídio de 1908, que acelerou a queda da monarquia e a implantação da república, dois anos depois. Foi aqui que D. Carlos I, rei, e o filho, Luís Filipe, foram vítimas de um atentado. 

Subindo desde o Terreiro do Paço pela Rua Augusta, a artéria pedonal e central do bairro, encontramos outra das praças principais da cidade, o Rossio (Praça D. Pedro IV), com o Teatro Nacional D. Maria II no topo norte, o Elevador de Santa Justa e as ruínas do Convento do Carmo a sudoeste.

Foi junto a este convento extinto, no Largo do Carmo, que se deu outro dos grandes momentos históricos nacionais. A 25 de abril de 1974, Portugal libertou-se de mais de 40 anos de ditadura salazarista. A rendição do líder Marcello Caetano, ao abandonar o Quartel do Carmo, é o símbolo desse momento de libertação. 

 

Mouraria

Mouraria

De zona agrícola a reduto dos mouros em Lisboa depois da conquista cristã, a Mouraria viveu uma transformação galopante. Hoje mantém no traçado sinuoso o tom de mistério. 

É um dos mais multiculturais bairros de Lisboa, com restaurantes de sabor asiático e africano, pequeno comércio e uma vida frenética. A Rua do Benformoso, que desemboca no vizinho bairro do Intendente, é bem exemplo disso. 

Mas a história da Mouraria, este antigo e pequeno vale fértil dentro da cidade, povoado por vinhas e campos que abasteciam o Castelo de São Jorge, concentra-se, antes de mais, no seu nome, uma alusão aos mouros que, já depois da conquista de Lisboa pelo primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques, em 1147 (a cidade foi dominada pelos mouros desde o século VIII), viram neste bairro o seu refúgio ao longo de séculos.

Era aqui, entre ruelas serpenteadas e prédios esguios, a comuna muçulmana de Lisboa. E foi na tomada de Lisboa aos mouros, precisamente, que se celebrizou um personagem importante da história — Martim Moniz, mártir que entalou o corpo numa das portas da cidade, para que os seus companheiros pudessem entrar, e que hoje tem no largo com o seu nome um dos pontos centrais de Lisboa. 

Um salto na história permite-nos chegar a outro período bastante vivo da Mouraria — o da propulsão do fado. A partir do ano do terramoto, 1755, um período difícil para a vida da cidade, a Mouraria assumiu-se como um bairro popular e viu nascer entre a vida mundana uma figura de peso: Maria Severa, fadista, fumadora (uma raridade entre as mulheres da época) e prostituta.

Metade mistério, metade mito, ainda hoje é apontada como uma das criadoras do fado. À entrada da Rua do Capelão, uma guitarra esculpida em pedra permite recuar até este tempo. 

Mais de 200 anos depois, a zona não perdeu em ritmo, multiculturalidade ou atividade comercial. Não faltam tasquinhas e vida cultural à Mouraria. Nem beleza. Vale a pena circular pelo bairro, subindo as íngremes Escadinhas de São Cristóvão e seguindo pela Rua das Farinhas até ao Largo da Rosa.

Um pouco mais a norte, encontra-se um edifício de destaque, gabado pela sua azulejaria: o Colégio dos Meninos Órfãos, fundado em 1273, na Rua da Mouraria.

 

São Vicente

São Vicente

É em São Vicente que se realiza a quase centenária Feira da Ladra e onde se cumpriu uma das mais longas obras arquitetónicas do país, o Panteão Nacional.

Circundado pelos bairros da Graça, Castelo e Alfama, São Vicente sobe luminoso desde a Estação Ferroviária de Lisboa-Santa Apolónia — por onde passaram as histórias de tantos emigrantes que abandonaram a miséria vivida em Portugal nos anos de 1960 e 1970 — abrindo-se em vistas amplas para o rio Tejo. 

Subindo, começa a mostrar-se o Panteão Nacional, uma obra do Barroco que, penosamente, levou perto de 400 anos a estar concluída. O Panteão era, à época, a Igreja de Santa Engrácia, à qual ficou associada a tão portuguesa expressão “obras de Santa Engrácia”, para referir projetos sem conclusão à vista.

Hoje, este é o lugar onde estão sepultadas altas personalidades da história e cultura portuguesas, como são os casos mais recentes da fadista Amália Rodrigues e do futebolista Eusébio

Paredes meias com o Panteão fica o Campo de Santa Clara, onde se realiza, sem falhas, todas as terças-feiras e sábados, a Feira da Ladra, o flea market mais antigo e sui generis da cidade.

Conhecida pelo comércio de velharias e objetos em segunda mão com recurso a pregões, a feira existe desde o século XII, embora já tenha circulado por diferentes bairros de Lisboa — apenas no século XIX se estabeleceu em São Vicente, entre o Campo de Santa Clara (com a graça de um pequeno jardim com vista para o Tejo) e o Mosteiro de São Vicente de Fora, outro ícone do bairro. 

Destacado como um dos mais belos exemplares do maneirismo português, este templo-museu exibe uma grande coleção de azulejos barrocos, da qual se destaca a impressionante Galeria das Fábulas.

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